Aquele momento de pseudoêxtase
Em que melei minhas cuequinhas
Ser-me-á sempre grado.
(Luíz de Camões - Lírica)
Embora num rasgo a memória abranja
O que não seja mole e nem seja canja
E a imaginação registe num meloso fá-e-dó
O gozoso travo dum gostoso mocotó,
(Ou a sutil delícia desse pato com laranja),
Minh'alma gentil se desarranja
Se o pensamento volto àquela
Que tornava minha vida inda mais bela
Quando de amor o coração se esbanja.
Agora, d'angústias trago a alma plena.
E vivo, sem receios e nem pejo,
Sem um tostão no bolso, roto e pelado,
Num miserê que é de dar pena,
No Serasa e no Bacen todo enrolado,
Sabendo que a mi'a vaquinha foi pro brejo.
Tanto desgosto e tanto desmazelo
Posso cantar com minha boca cheia.
(Destino igual nem posso crê-lo).
E o gentil afeto que m'inflava o peito
Atravessando claras noites estreladas
— A relembrar-lhe o seio, os gentis cabelos —
Virou, sem remédio, esta cagada:
Nos meus esquemas só entrou areia
E essa ordinária não merece mais respeito.
Hoje, recalcado e jururu,
Bebo o vinagre do despeito e da malícia:
O rouxinol que me cantava na vidraça
— Abandonando o solitário ninho, —
Deu de asas e se foi, sempre sozinho.
E pr’aumentar ainda mais minha desgraça
Veio pousar aqui uma família de urubu.
Que a minh'alma então não mais persiga
Essa perversa que me fez sentir-me um pária!
E a coisa anda difícil — eu que o diga! —
E pra botar ponto final em nossa história:
Que morra com a boca cheia de formiga
A chinelona, vagabunda e ordinária !
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