Objetivo

Este blog tem por finalidade reunir criações literárias de escritores independentes. O grupo que aqui se apresenta teve início com a Oficina Literária ministrada por Diego Petrarca, mas esta aberta a outros que por ventura quiserem ter seus textos publicados.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Casa na árvore

Tu, velho anduco, de cabelo ralo, esbelta postura franzina, braços cruzados, de costume cansado e nostálgico balbuciador de  lamúrias incompreensíveis, como um cão que rosna para o próprio rabo, decidiste, sabe-se lá o porquê, construir na árvore, uma morada, decidiste, assim, como te decides trocar de gravata naquelas ocasiões em que o conviva já não respira mais.
Em uma pequenina árvore, aquela sequóia, não, não esta, aquela, esta, esta, isso, nessa mesma, a menorzinha, escolheste teu alicerce para edificar tuas incompreensões e  poupar-te o trabalho da escada, cansar-te-ia demais essa escada (tu, velho, gostas de resultados rápidos).

Como todos os outros, aqueles proletários que constroem para poder gozar melhor da vida e deitar as preocupações no consolador da noite (o travesseiro), este velho não o era.

E ao passo da tua escolha começaste a construção, uma betoneira orgânica era a tua cabeça, lembrava-te do presente, passado e futuro ou era o presente do passado futuro que te fazia abrir a boca sem querer e perguntar sem responder?

Perguntas ou respostas sem respostas ou perguntas, findou a morada sobre a pequenina sequóia.

Não precisaste muito esforço para entrar na tua morada, apenas um leve alçar de joelho.

Adormeceste no chão mesmo sem te dar conta das horas a fio em que trabalhaste. Acordaste, ora, ora, sem nenhuma dorzinha. Poste a fuça pra fora da porta, ainda bastava um baixar de joelho para saíres da morada. Não aguentas esperar tanto?

Não. Não aguentou esperar tanto.

Te trancaste na morada até que a pequenina sequóia estivesse em condições de te fazer dar mais que um salto para sair-te daí e contar a todos tua façanha, pequena façanha essa, grande arrogância tua. 

Adormeceste um ano ou dois? Eram mais, velho.

Poste a cabeça para fora depois de tantos anos e tua barba grisalha arrastada no teu assoalho e tuas costas curvas atrapalham-te a caminhada, a barba, parava em cada farpa as costas doíam a cada passo. Poste a cabeça pra fora.

Não vias o chão em que pisaste a última vez, só enxergavas neblina e uns poucos galhos da tua sequóia. Não percebeste, mas dormistes muito tempo. Percebe, meu velho, tu estás mais próximo do céu.

sábado, 26 de novembro de 2011

À benção

 Queres saber, filho, o que são as estrelas?  Estrelas são pequenos leds cravados nesta grande placa que alguns chamam de céu.  E o sol?  Bueno, o sol é uma grande lâmpada incandescente cujo tungstênio nunca morre.  Aliás, filho, parabéns pelo teu 30º aniversário.   

(Rafael Muniz Espíndola)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

ÀS MANIAS - do pobre vulcão

Sim, caiu de uma pequena árvore, aquele pobre vulcão.
Vulcão sulcado...
Veias já lhe aparecem...
Perdeu o verde viçoso que lhe era natural...
Pobre vulcão, cai, e ainda pisoteado, insiste em fazer parte D'aquilo...
Já não nos ajuda mais, ajuda a ficar no chão, aquele pobre vulcão...
ajuda a forrar uma mansão de um sabiá, a ficar ao pé de um jacarandá...
não ajuda em muita coisa o pobre vulcão...
Enquanto cai o pobre vulcão, perde a seiva alaranjada...
e seca antes de encostar o chão
pobre vulcão...

(Rafael Muniz Espíndola)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Digite o Título Aqui

Letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, parágrafo a parágrafo, uma ideia sobre outra, entre outra, junto com outra, entra dentro de outra, uma ideia odeia a outra, outra ama a outra ideia, vírgulas, pontos, e vírgulas, interrogações, interjeições e exclamação, reticências, pensamento não reticente…

(Rafael Calçada)

"Linearidade".

Aqui escreveram mãos de alguém com pensamentos lineares, lineares tangentes a outros pensamentos circulares; pensamentos lineares dado que são em linha, mas lineares curvos. Opa! Pensamentos lineares não-tangentes – tangentes não são curvas… pensamentos que são curvas secantes à pensamentos circulares. Raros pensamentos lineares retos, raras funções afim. Raras também as curvas tangentes. Opa! Errei novamete… pensamentos lineares curvos poderão tanger pensamentos circulares, embora isto seja mais raro que funções afim e curvas que tangem.
 
(Rafael Calçada)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Mecanismo


 
Cristina olhou o relógio, ainda faltava muito para o término da aula. Pensou nisso com extensa sofreguidão como se sua vida fosse acabar antes que pudesse articular o pensamento seguinte. Respirava com dificuldade, fruto do cansaço e de um resfriado. Na verdade vivia á algum tempo em dificuldade.  A timidez a ameaçava sempre feroz, e muitas vezes lhe condicionava as reações. Não temia as pessoas, mas sim o mecanismo obscuro que sorrateiramente trabalhava em seu corpo fustigado pela magreza e que a fazia sofrer. E ele não o fazia por uma questão de autopreservação, instinto bruto de sobrevivência, longe disso, fazia-o para castigá-la, para sentir o frêmito de vergonha que a ruborizava e as contrações estomacais que invariavelmente acabavam em diarréia. Porque ele - o mecanismo - julgava-se tão mais importante do que ela, o verdadeiro dono daquilo que ela, em matéria e espírito, sentia ao comer, dormir ou trepar, ainda que apenas se masturbasse ou suasse frio em privação.  Por sua vez, paradoxalmente, ela o sentia como parte íntima de si mesma e como unidade distinta e autônoma, dotado de força maior que a sua. O mecanismo fora acalentado anos a fio, provavelmente como uma forma de punir-se, ou sistema de defesa, ou nem uma coisa nem outra. Era sua obscuridade misteriosa e sem propósito que a assolava, sua intimidade tão familiar e acolhedora que a aprisionava naquele vórtice cruel de vergonha e desamparo.
Quando o jovem colega, sentado a classe vizinha, na verdade uma mesa fazia ás vezes de trincheira entre ambos, tocou-lhe o braço e estendeu a mão segurando uma barra de chocolate pela metade, sentiu os maxilares se deslocando, arrastando os dentes uns contra os outros. Os músculos da face se contraíram deformando aquilo que deveria ser um sorriso. Entorpecida pelo sono que lhe caía sobre os ombros, acumulado de meses inteiros dormindo tarde da noite e acordando na primeira hora da manhã, Cristina mal conseguia perceber o que ocorria ao redor; seus colegas, calados e tristes, apagavam os olhos e escorriam das cadeiras lentamente até o chão, aninhando-se como roupa gasta e suja. O chocolate ali parado naquela mão enorme e um tanto intransigente, pois que não se movia e mantinha-se fixa estendendo a barra marrom enrolado em papel alumínio, exigindo uma resposta, mostrando-lhe que não podia ser ignorada, ainda que pudesse se travestir de outras coisas, de ofensas ou monstruosidades. A mão severa, como se tomada de chocolate, dedo por dedo, longas barras de unhas molengas. Um calafrio percorreu-lhe o corpo debilitado. Não foi que tivesse sentido fome ou desejado a morte daquele rapaz, ou a sua própria, foi o esgotamento, um instinto cego e mecânico. A boca encheu-se de sangue, dedos e chocolate. Mastigou-os tomada de vontade e desejo, como se trepasse com eles. O jovem foi transpassado por uma dor muda. Contorcia-se ao chão com a boca escancarada, de lá, porém, nenhum som escapava. Com a destra segurava a mão mutilada enquanto o sangue lhe escorria vertiginoso pelo braço. A professora não percebera o que acabara de ocorrer ou, pior, dava a impressão de não estranhar o incidente. Talvez não o tivesse registrado no cérebro. Cristina levou a mão à boca a fim de que nenhum naco lhe escapasse.  Mastigava-os com incontido prazer. O rosto, antes pálido, foi se banhando de uma luz avermelhada. Ajoelhou-se ao lado do colega afônico e pôs-se a comê-lo, primeiro o restante da mão, depois o braço e o peito. A essa altura a professora havia parado a aula e repreendia os alunos que não cessavam de escorrem das cadeiras.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

sábado, 17 de setembro de 2011

Do embaraço do Traço

A mão treme o traço o traço treme a linha a linha rasga papel papel conta história traçada pela linha que treme a mão acariciando a mania de por o pé no chão embaraçando o traço volto aos pés descalços sob o motivo da linha do embaraço do traço__________________

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Café Ancien



Existe no centro da cidade, numa rua pequena de prédios cor de chumbo, um café que permanece intocado pelo tempo. Desde que o conheço é o mesmo, o balcão marrom com a barra dourada para apoiar os pés, os espelhos laterais próximos das mesas de mármore, os cinzeiros de vidro transparente. Lá no fundo a escada em caracol que leva aos banheiros. Desconfio que seja o único – o último – lugar em toda a Porto Alegre onde ainda se pode fumar. Nunca fumei, mas quando venho aqui tenho vontade de fazê-lo e de me transformar num desses velhos de colete de lã, camisa xadrez e calça de linho. Eles formam o que eu chamo de assembléia dos anciãos da aldeia. Fumam e bebem café preto enquanto manuseiam o destino da humanidade como hábeis titereiros que são. Decidem se os planos e desejos dos homens se realizarão ou se tudo não passará de quimeras. Se a mulher de cabelos loiros, ainda molhados do banho, que caminha apressada levando a bolsa prensada contra o corpo, chegará ao serviço a tempo de evitar a segunda advertência no mês, ou se o chefe dela ficará preso no cruzamento entre a Rua Borges de Medeiros e a Avenida Ipiranga, devido ao acidente que ocorrerá se o caminhão de gás, que trafega na outra mão da avenida, esticar a velocidade de modo a pegar o último vapor de sinal amarelo, antes que ele se torne vermelho, e o menino de mochila preta, moletom e capuz na cabeça, coloque um dos pés, como é destro por instinto será esse, na listra branca da faixa de segurança. Talvez ele nem pense nisso, se devia ou não esperar os carros pararem em definitivo, porque a música que escuta no fone de ouvido é tão perfeita que tem o poder de fazê-lo sentir-se como se estivesse num filme e tudo a sua volta é inofensivo, que todos – o jornaleiro, os pedestres, os motoristas – também são atores e como ele sabem de antemão o que devem fazer. Talvez um pressentimento, uma sacudidela nos fios que o prendem, o faça parar e não prosseguir. A verdade é que ninguém sabe o que os velhos tramam, nem os motivos. Velhos demiurgos aposentados.
Adoro vir aqui e tragar esse aroma de café e cigarro. O valor do expresso é justo e o copo de água mineral com gás é por conta da casa. As garçonetes são mulheres de meia-idade, simpáticas, donas de corpos que ainda exalam vitalidade, conforme o gosto da freguesia. A atendente do caixa é a mais jovem, uma balzaquiana de cabelos negros, olhos fulgurantes que me consomem como fogo em papel. Tenho vontade de convidá-la para sentar e tomar um café, mas confesso que a cantada está longe de ser original, ainda que honesta.
Os velhos não temem o tempo, aqui ele não os alcança, perde seu efeito ferruginoso. Sinto-me confortável entre eles. Imagino que me aceitam porque sabem que eu partilho de seus segredos e que venho observá-los porque um dia assumirei uma dessas cadeiras ou, talvez, eu já esteja aqui há tanto tempo que nem percebi. Talvez um outro eu ande por aí, prisioneiro das horas, correndo de um lado para o outro, tentando valer-se de algum indício de realidade. Talvez um dia ele passe em frente ao Ancien e imagino que não ficará surpreso ao me encontrar, pois o fato é que tem me procurado desde sempre. Os anciãos o conduzirão até a minha mesa e eu lhe pagarei um expresso á moda da casa.


Café Ancien


Existe no centro da cidade, numa rua pequena de prédios cor de chumbo, um café que permanece intocado pelo tempo. Desde que o conheço é o mesmo, o balcão marrom com a barra dourada para apoiar os pés, os espelhos laterais próximos das mesas de mármore, os cinzeiros de vidro transparente. Lá no fundo a escada em caracol que leva aos banheiros. Desconfio que seja o único – o último – lugar em toda a Porto Alegre onde ainda se pode fumar. Nunca fumei, mas quando venho aqui tenho vontade de fazê-lo e de me transformar num desses velhos de colete de lã, camisa xadrez e calça de linho. Eles formam o que eu chamo de assembléia dos anciãos da aldeia. Fumam e bebem café preto enquanto manuseiam o destino da humanidade como hábeis titereiros que são. Decidem se os planos e desejos dos homens se realizarão ou se tudo não passará de quimeras. Se a mulher de cabelos loiros, ainda molhados do banho, que caminha apressada levando a bolsa prensada contra o corpo, chegará ao serviço a tempo de evitar a segunda advertência no mês, ou se o chefe dela ficará preso no cruzamento entre a Rua Borges de Medeiros e a Avenida Ipiranga, devido ao acidente que ocorrerá se o caminhão de gás, que trafega na outra mão da avenida, esticar a velocidade de modo a pegar o último vapor de sinal amarelo, antes que ele se torne vermelho, e o menino de mochila preta, moletom e capuz na cabeça, coloque um dos pés, como é destro por instinto será esse, na listra branca da faixa de segurança. Talvez ele nem pense nisso, se devia ou não esperar os carros pararem em definitivo, porque a música que escuta no fone de ouvido é tão perfeita que tem o poder de fazê-lo sentir-se como se estivesse num filme e tudo a sua volta é inofensivo, que todos – o jornaleiro, os pedestres, os motoristas – também são atores e como ele sabem de antemão o que devem fazer. Talvez um pressentimento, uma sacudidela nos fios que o prendem, o faça parar e não prosseguir. A verdade é que ninguém sabe o que os velhos tramam, nem os motivos. Velhos demiurgos aposentados.
Adoro vir aqui e tragar esse aroma de café e cigarro. O valor do expresso é justo e o copo de água mineral com gás é por conta da casa. As garçonetes são mulheres de meia-idade, simpáticas, donas de corpos que ainda exalam vitalidade, conforme o gosto da freguesia. A atendente do caixa é a mais jovem, uma balzaquiana de cabelos negros, olhos fulgurantes que me consomem como fogo em papel. Tenho vontade de convidá-la para sentar e tomar um café, mas confesso que a cantada está longe de ser original, ainda que honesta.
Os velhos não temem o tempo, aqui ele não os alcança, perde seu efeito ferruginoso. Sinto-me confortável entre eles. Imagino que me aceitam porque sabem que eu partilho de seus segredos e que venho observá-los porque um dia assumirei uma dessas cadeiras ou, talvez, eu já esteja aqui há tanto tempo que nem percebi. Talvez um outro eu ande por aí, prisioneiro das horas, correndo de um lado para o outro, tentando valer-se de algum indício de realidade. Talvez um dia ele passe em frente ao Ancien e imagino que não ficará surpreso ao me encontrar, pois o fato é que tem me procurado desde sempre. Os anciãos o conduzirão até a minha mesa e eu lhe pagarei um expresso á moda da casa.


Café Ancien


Existe no centro da cidade, numa rua pequena de prédios cor de chumbo, um café que permanece intocado pelo tempo. Desde que o conheço é o mesmo, o balcão marrom com a barra dourada para apoiar os pés, os espelhos laterais próximos das mesas de mármore, os cinzeiros de vidro transparente. Lá no fundo a escada em caracol que leva aos banheiros. Desconfio que seja o único – o último – lugar em toda a Porto Alegre onde ainda se pode fumar. Nunca fumei, mas quando venho aqui tenho vontade de fazê-lo e de me transformar num desses velhos de colete de lã, camisa xadrez e calça de linho. Eles formam o que eu chamo de assembléia dos anciãos da aldeia. Fumam e bebem café preto enquanto manuseiam o destino da humanidade como hábeis titereiros que são. Decidem se os planos e desejos dos homens se realizarão ou se tudo não passará de quimeras. Se a mulher de cabelos loiros, ainda molhados do banho, que caminha apressada levando a bolsa prensada contra o corpo, chegará ao serviço a tempo de evitar a segunda advertência no mês, ou se o chefe dela ficará preso no cruzamento entre a Rua Borges de Medeiros e a Avenida Ipiranga, devido ao acidente que ocorrerá se o caminhão de gás, que trafega na outra mão da avenida, esticar a velocidade de modo a pegar o último vapor de sinal amarelo, antes que ele se torne vermelho, e o menino de mochila preta, moletom e capuz na cabeça, coloque um dos pés, como é destro por instinto será esse, na listra branca da faixa de segurança. Talvez ele nem pense nisso, se devia ou não esperar os carros pararem em definitivo, porque a música que escuta no fone de ouvido é tão perfeita que tem o poder de fazê-lo sentir-se como se estivesse num filme e tudo a sua volta é inofensivo, que todos – o jornaleiro, os pedestres, os motoristas – também são atores e como ele sabem de antemão o que devem fazer. Talvez um pressentimento, uma sacudidela nos fios que o prendem, o faça parar e não prosseguir. A verdade é que ninguém sabe o que os velhos tramam, nem os motivos. Velhos demiurgos aposentados.
Adoro vir aqui e tragar esse aroma de café e cigarro. O valor do expresso é justo e o copo de água mineral com gás é por conta da casa. As garçonetes são mulheres de meia-idade, simpáticas, donas de corpos que ainda exalam vitalidade, conforme o gosto da freguesia. A atendente do caixa é a mais jovem, uma balzaquiana de cabelos negros, olhos fulgurantes que me consomem como fogo em papel. Tenho vontade de convidá-la para sentar e tomar um café, mas confesso que a cantada está longe de ser original, ainda que honesta.
Os velhos não temem o tempo, aqui ele não os alcança, perde seu efeito ferruginoso. Sinto-me confortável entre eles. Imagino que me aceitam porque sabem que eu partilho de seus segredos e que venho observá-los porque um dia assumirei uma dessas cadeiras ou, talvez, eu já esteja aqui há tanto tempo que nem percebi. Talvez um outro eu ande por aí, prisioneiro das horas, correndo de um lado para o outro, tentando valer-se de algum indício de realidade. Talvez um dia ele passe em frente ao Ancien e imagino que não ficará surpreso ao me encontrar, pois o fato é que tem me procurado desde sempre. Os anciãos o conduzirão até a minha mesa e eu lhe pagarei um expresso á moda da casa.


domingo, 21 de agosto de 2011

Vermelho-ei

Quando o soneto vermelho dos meus olhos
                                                              Não puder exalar o perfume das serpentes,
vou conciderar-me inapto às atividades pré-destinadas
                                                             Assim como o ferreiro que não tem fogo para fundir o ferro
e o seu próprio calor não o faz possível.
                                                            Virei EU com o fogo e com o vidro cheio.
vermelho-ei, no entanto, até a última martelada.

Rafael Muniz Espíndola

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Trilhada

Docemente fui ao inferno,
Amargamente subi aos céus.
Do ato de inventar mentiras para se acreditar
fundi o aço...
E lá de cima vê-se,
não digo o quê para não perder a boa prosa,
mas a falta de que o rio passe pelo leito entreaberto
e que meus olhos fechem.
Na angústia de não poder mexer-me,
devencilho-me de todas as sensações mundanas...
E rio, como o rio que não perpassa, de todos.
Pontos postos ou mal postos
Desci novamente
Fiquei no limbo...
in loco daqueles de quem outrora eu ria, o veneno crônico.
Verborragicamente paro por aqui, esgoto-me, mas não ponho-me no lixo,
E rio, agora este que me transpassa sem notas nem acordes,
de mim mesmo...




Rafael Muniz Espíndola

domingo, 24 de julho de 2011

CRIARTE

No lugar certo, na hora certa
a cor certa no traço certo
do limiar tecido traçado pelo pensamento
inconvencionalmente convencional
acomodando-se na poeira do olho
passado, rastreado, arrastado
sobre coisa alguma,
!CRI-AR-TE!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Aroma da Noite

Observo

com o dedo curvo,
e
somente com a ponta do indicador,
tocaria a alma.

Hoje

como a linguagem corporal típica que disfarça a ansiedade ,
eu tento,
manter as pernas cruzadas com um pé apenas solto no ar,
à balançar.

Pela tarde

faço o caminho ao contrario.
Procuro pistas,
como,
quem sabe,
um reles grampo de cabelos que escorregou pelo bolso
descuidado.

E olho

de frento o sol que se poem,
em poucos centimetros de raio,
e percebo que ainda sim,
há nele capacidade suficiente para cegar-me.

Sorrio

Como o bebado que vai em direção à sua residencia
e a encontra sem dificuldade alguma.

Mas quando sinto aquele aroma é...

Como aquele que se recusa a beber mais quando já não faz diferença,
me perco.

Então. Paro!

Retomar-te-ei amanha
Resposta.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Das terças (para Petrarca)

É terça. Torça para ir na biblioteca ou museu,
eu.
Sonha com um soneto da Laura ou teu.


                                                                       (Guilherme Chagas)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

ODE À AMADA QUE ESTÁ DISTANTE

   


Aquele momento de pseudoêxtase
Em que melei minhas cuequinhas
Ser-me-á sempre grado.
                   (Luíz de Camões - Lírica)



     Embora num rasgo a memória abranja
     O que não seja mole e nem seja canja
     E a imaginação registe num meloso fá-e-dó
     O gozoso travo dum gostoso mocotó,
     (Ou a sutil delícia desse pato com laranja),
     Minh'alma gentil se desarranja
     Se o pensamento volto àquela
     Que tornava minha vida inda mais bela
     Quando de amor o coração se esbanja.
    
     Agora, d'angústias trago a alma plena.
     E vivo, sem receios e nem pejo,
     Sem um tostão no bolso, roto e pelado,
     Num miserê que é de dar pena,
     No Serasa e no Bacen todo enrolado,
     Sabendo que a mi'a vaquinha foi pro brejo.
    
     Tanto desgosto e tanto desmazelo
     Posso cantar com minha boca cheia.
     (Destino igual nem posso crê-lo).
     E  o gentil afeto que m'inflava o peito
     Atravessando claras noites estreladas
     — A relembrar-lhe o seio, os gentis cabelos —
     Virou, sem remédio, esta cagada:
     Nos meus esquemas só entrou areia
     E essa ordinária não merece mais respeito.

     Hoje, recalcado e jururu,
     Bebo o vinagre do despeito e da malícia:
     O rouxinol que me cantava na vidraça
     — Abandonando o solitário ninho, —
     Deu de asas e se foi, sempre sozinho.
     E pr’aumentar ainda mais minha desgraça
     Veio pousar aqui uma família de urubu.
    
     Que a minh'alma então não mais persiga
     Essa perversa que me fez sentir-me um pária!
     E a coisa anda difícil — eu que o diga! —
     E pra botar ponto final em nossa história:
     Que morra com a boca cheia de formiga
     A chinelona, vagabunda e ordinária !

sábado, 2 de julho de 2011

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Poesias


E os poemas insensíveis entreolharam-se, fintando-me:
-Eu que também sou poesia.

E aquele recorrente e intransponível “Eu”;
                                                               Mal-dito;            
                                                      De Mal-gosto;
                                                            Mal-posto;
E eu Pessoa;
E o “eu lírico”.
E eu Augusto;
E o “Eu e as Poesias”;

E nós?

A caneta em deleite, protesta, chora, grita,
Borra entrelinhas;

A caneta da idéia atemporal,
Fadada ao papel,
Deixa seu rastro por onde passa,
Projetando agonias e alegrias,

E entre estas nascem púberes, majestosas e afiançadas: novas poesias.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

CORREDOR

Tudo bem; esqueça a literatura. Vamos apenas dar um passeio. Não vai ser bonito, mas não temos escolha. É madrugada e não temos mais para onde ir. Gostaria de pedir que não tenha medo, mas talvez isso seja pedir demais. Adentre os quartos. No fim, lá no fim, há pureza. Ao fim do corredor – ou no pátio lá atrás – talvez esteja tudo em paz. Entretanto, para chegar lá, temos que colocar os móveis em ordem. Não vai ser fácil, mas acho que isso você já sabe. Se não sabe, a dor ensina.

Pode gritar se quiser. Com todas essas vozes gritando pelos quartos enquanto passamos dificilmente alguém notará. E se quiser chorar, bem, a casa é sua. E os choros são muitos, então, não se constranja. Mas seja natural. Não force nada. Em alguns destes quartos serão encontradas coisas perigosas. Em alguns destes quartos teremos que destrancar as portas. Abrir portas que nem sabíamos que existiam. E talvez não existissem. A casa as criou, junto com esses novos quartos. Há umidade e escuridão. Há vontade de parar. Há vontade de apenas dormir, seguir essa caminhada quando o sol estiver iluminando o corredor. Mas e se amanhecer nublado? Talvez o melhor seja abandonar a casa.

Não, isso não pode ser feito. Ela precisa ser posta em ordem. Ela está esperando anos por isso. Arrume-a antes que o tempo a consuma. Porque o tempo, esse miserável insensível, não vai esperar. Por enquanto contente-se em lotar esse longo corredor com palavras. Ele vai diminuindo à medida que elas são escritas. Tatue sua dor na parede. Ela vai ser lavada em breve. E tudo será esquecido. O buraco é fundo, mas ainda não começaram a jogar a terra. Ainda há tempo para sair. Onde está a chave? As respostas não virão tão fáceis. Onde está a chave? Para que quer as chaves? Desistir? Abandonar tudo? De novo. Não. As chaves serão encontradas na hora certa. E onde está o relógio que marca a hora certa?

Descarregue tudo. Coloque para fora. Chore oceanos e inunde o corredor. Dói, mas os quartos serão lavados. Tudo de ruim que houver transbordará para fora das janelas. Não com lágrimas, mas com palavras. Choradas sobre o corredor. Mais calmo agora? Continue. Ou não? Talvez seja o suficiente por hoje. E se não pudermos mesmo sair da casa, ela estará aqui amanhã. E depois, e depois.

E com ou sem sol, chegaremos até o pátio, onde a grama está bem cortada e as flores brincam junto com as crianças, felizes. E então, finalmente, encontraremos nossa paz.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Envelhecer

É o maior órgão do corpo se decompondo,
Olhos cansados,
Audição falha,
As historias e estórias,
Amores e desamores,
Os filhos,
Os netos,
A vida!
E ela; com o dedo indicador curvo que toca a alma.

Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim, como diria Pessoa!
É algo que a pagina não comporta,
      uma amostra do finito.

Ócio

Transcendo quando os fecho
Abro-os
Tô preso
Palavras não ditas
Vide-as!
Sem fronteiras
Preso no olho
no pensamento
caneta
papel
tinta.


(Rafael Muniz Espíndola)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

É difícil seguir seus instintos quando seu coração exige que faça o contrário.
Assim como é difícil concretizar na sua realidade aquilo que insiste em prender-se no seu subconsciente
                                                                                                                  eu sei disso
                                                                                                                  porquê vivi isso.
Procurar forças naquilo que está inerte é o mesmo que comandar seu corpo há caminhar sob a brasa
                                                                                                                  quando seus pés
                                                                                                                  são feitos de gelo
Mergulhe naquilo que não existe e desvende meus enigmas, ajudando há minha e há sua sanidade.

Antes que meu último suspiro nos prenda no instável mundo através da vida.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Diálogo da Página em Branco


A angústia
Das linhas
A preguiça
Dos poemas
A insônia
Dos escritos
A caneta
Das falas
A rebeldia
Das metáforas
A inércia
Das vezes
A frustração
Dos muitos
A ira
Dos poucos
A benção
Dos versos que não fiz
A luz.

(Daniel Rocha  & Ester Polli)