Objetivo

Este blog tem por finalidade reunir criações literárias de escritores independentes. O grupo que aqui se apresenta teve início com a Oficina Literária ministrada por Diego Petrarca, mas esta aberta a outros que por ventura quiserem ter seus textos publicados.
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Homem Revoltado

           Como de costume ele chegara antes dela. Walesca, envolvida em reuniões do partido, não tinha hora. Às vezes nem dormia em casa. Trabalhos diferentes. Viam-se raramente, mas sempre ligava quando surgia alguma novidade. Não podia se queixar, desde que ela se envolvera com a política, as coisas melhoraram.  Foi ao banheiro, jogou duas mãos de água no rosto e viu no espelho escrito com batom: não se zangue comigo, foi só o cansaço das paixões perfeitas. Emputeceu. Deve ter fugido com um daqueles escritorezinhos de merda. Porra! Tínhamos um acordo. Aceitava que a metade das pessoas que ela conhecia queria comê-la, a outra metade já tinha comido. Tudo bem, aquela bunda realmente era irresistível e o mundo era uma grande cama redonda.  Entendia essas coisas. Ele mesmo era fascinado pela gostosa do 401. Muitas vezes empurrava a cadeira de rodas da vizinha só pra olhar aqueles peitões que ela fazia questão de deixar a mostra no decote. Mas abandoná-lo não era certo. E os negócios? Com certeza isso não ficaria assim. Sentiu-se traído. Correu para a sala, apanhou o celular e ligou. Caixa de mensagens. Resolveu sair.
            O coletivo andava na Osvaldo Aranha e lá fora os pingos da chuva riscavam a paisagem.  Dentro do ônibus só ele e o cobrador, que agora bocejava, deixando à mostra a ponte fixa dos dentes. Sua cabeça doía, as têmporas saltitavam, a camisa empapada de suor grudava-se mais à pele. Lembrou-se dela. Levantou, esfregou as mãos e puxou a campainha. Desceu rapidamente, esgueirando-se aqui e ali da chuva. Só mais duas quadras. Relutou um pouco ainda, mas não havia jeito, precisava ter certeza. E foi. Chegou em frente ao prédio. Era ali mesmo, apartamento 801. Tocou o interfone, ninguém atendeu. Tocou de novo e nada. Resolveu então chamar o porteiro. Este veio, arrumando as calças azuis do uniforme surrado e abriu-lhe a porta. Caminhou lentamente pelo corredor escuro.
A porta estava entreaberta. Entrou. Lá no fundo, uma luz opaca e alguns espirais de fumaça dançavam para lá e para cá. Sentou-se.  Os móveis ao redor eram familiares. Acendeu um cigarro. Ouviu a descarga do banheiro. Ela aproximou-se, tomou o cigarro da mão dele e deu uma bela tragada. Lúria era o travesti mais gostoso da cidade. Fora convidada várias vezes para fazer filmes-pornô, mas nunca aceitou. Muito discreta. Desde a primeira foda dos três, criou-se um grande vínculo de amizade. Ela foi até a estante, passou a mão na lombada dos livros e por fim tomou um de capa vermelha. Tome, disse ela, é disso que você precisa. Você não devia ter feito aquilo, sabia? No mundo, meu amor, há crimes de paixão e crimes de lógica. Mas era minha mulher!!! Rebateu ele. Pra mim era mais que isso, afirmou o traveco. O telefone tocou. Lúria atendeu sob o olhar perplexo de Gabriel. Bem, tenho que sair, a parte combinada do dinheiro está aí dentro do livro, agora sai fora. E a porta se fechou...

(Carlos Rosa)

D. Lalá

Laura já não era mais nem sombra do que fora no passado. Quem a visse agora enrugada, flácida, chupada, com a cara bexiguenta, nunca imaginaria que dona Lalá, como era carinhosamente chamada, foi a puta mais desejada de Porto Alegre. Ali, sentada no fundo do cabaré Sedução, silenciosa, com um cigarro entre os dedos, estava guardada boa parte dos segredos da cidade. Se a polícia interrogasse a velha puta, muitos crimes teriam sido resolvidos. Mas a profissão não dava credibilidade, dizia ela. Permanecia assim o dia todo. Levantava-se apenas por necessidade. Curvada, arrastava com dificuldade os chinelos pelo salão e ia ao banheiro limpar a bolsa de colostomia.
Morava em uma peça no fundo do puteiro. Vaidosa, acordava cedo, tomava banho, escovava bem a dentadura, penteava os cabelos e se maquiava. Vinha para o salão. Gabava-se de ter trepado com três gerações de homens. Boatos diziam que um chefe de Estado havia lhe proposto casamento. Mas ninguém sabia ao certo. Para as novatas o que mais atraía eram as histórias que ela contava em dias de pouco movimento.   
Naquele dia, Lalá estava diferente. No lugar daquela aparente serenidade, agora havia uma agitação, falava sozinha, murmurava palavrões, gesticulava.

(Carlos Rosa)