O coletivo andava na Osvaldo Aranha e lá fora os pingos da chuva riscavam a paisagem. Dentro do ônibus só ele e o cobrador, que agora bocejava, deixando à mostra a ponte fixa dos dentes. Sua cabeça doía, as têmporas saltitavam, a camisa empapada de suor grudava-se mais à pele. Lembrou-se dela. Levantou, esfregou as mãos e puxou a campainha. Desceu rapidamente, esgueirando-se aqui e ali da chuva. Só mais duas quadras. Relutou um pouco ainda, mas não havia jeito, precisava ter certeza. E foi. Chegou em frente ao prédio. Era ali mesmo, apartamento 801. Tocou o interfone, ninguém atendeu. Tocou de novo e nada. Resolveu então chamar o porteiro. Este veio, arrumando as calças azuis do uniforme surrado e abriu-lhe a porta. Caminhou lentamente pelo corredor escuro.
A porta estava entreaberta. Entrou. Lá no fundo, uma luz opaca e alguns espirais de fumaça dançavam para lá e para cá. Sentou-se. Os móveis ao redor eram familiares. Acendeu um cigarro. Ouviu a descarga do banheiro. Ela aproximou-se, tomou o cigarro da mão dele e deu uma bela tragada. Lúria era o travesti mais gostoso da cidade. Fora convidada várias vezes para fazer filmes-pornô, mas nunca aceitou. Muito discreta. Desde a primeira foda dos três, criou-se um grande vínculo de amizade. Ela foi até a estante, passou a mão na lombada dos livros e por fim tomou um de capa vermelha. Tome, disse ela, é disso que você precisa. Você não devia ter feito aquilo, sabia? No mundo, meu amor, há crimes de paixão e crimes de lógica. Mas era minha mulher!!! Rebateu ele. Pra mim era mais que isso, afirmou o traveco. O telefone tocou. Lúria atendeu sob o olhar perplexo de Gabriel. Bem, tenho que sair, a parte combinada do dinheiro está aí dentro do livro, agora sai fora. E a porta se fechou...
(Carlos Rosa)
(Carlos Rosa)
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