Objetivo

Este blog tem por finalidade reunir criações literárias de escritores independentes. O grupo que aqui se apresenta teve início com a Oficina Literária ministrada por Diego Petrarca, mas esta aberta a outros que por ventura quiserem ter seus textos publicados.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Poesias


E os poemas insensíveis entreolharam-se, fintando-me:
-Eu que também sou poesia.

E aquele recorrente e intransponível “Eu”;
                                                               Mal-dito;            
                                                      De Mal-gosto;
                                                            Mal-posto;
E eu Pessoa;
E o “eu lírico”.
E eu Augusto;
E o “Eu e as Poesias”;

E nós?

A caneta em deleite, protesta, chora, grita,
Borra entrelinhas;

A caneta da idéia atemporal,
Fadada ao papel,
Deixa seu rastro por onde passa,
Projetando agonias e alegrias,

E entre estas nascem púberes, majestosas e afiançadas: novas poesias.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

CORREDOR

Tudo bem; esqueça a literatura. Vamos apenas dar um passeio. Não vai ser bonito, mas não temos escolha. É madrugada e não temos mais para onde ir. Gostaria de pedir que não tenha medo, mas talvez isso seja pedir demais. Adentre os quartos. No fim, lá no fim, há pureza. Ao fim do corredor – ou no pátio lá atrás – talvez esteja tudo em paz. Entretanto, para chegar lá, temos que colocar os móveis em ordem. Não vai ser fácil, mas acho que isso você já sabe. Se não sabe, a dor ensina.

Pode gritar se quiser. Com todas essas vozes gritando pelos quartos enquanto passamos dificilmente alguém notará. E se quiser chorar, bem, a casa é sua. E os choros são muitos, então, não se constranja. Mas seja natural. Não force nada. Em alguns destes quartos serão encontradas coisas perigosas. Em alguns destes quartos teremos que destrancar as portas. Abrir portas que nem sabíamos que existiam. E talvez não existissem. A casa as criou, junto com esses novos quartos. Há umidade e escuridão. Há vontade de parar. Há vontade de apenas dormir, seguir essa caminhada quando o sol estiver iluminando o corredor. Mas e se amanhecer nublado? Talvez o melhor seja abandonar a casa.

Não, isso não pode ser feito. Ela precisa ser posta em ordem. Ela está esperando anos por isso. Arrume-a antes que o tempo a consuma. Porque o tempo, esse miserável insensível, não vai esperar. Por enquanto contente-se em lotar esse longo corredor com palavras. Ele vai diminuindo à medida que elas são escritas. Tatue sua dor na parede. Ela vai ser lavada em breve. E tudo será esquecido. O buraco é fundo, mas ainda não começaram a jogar a terra. Ainda há tempo para sair. Onde está a chave? As respostas não virão tão fáceis. Onde está a chave? Para que quer as chaves? Desistir? Abandonar tudo? De novo. Não. As chaves serão encontradas na hora certa. E onde está o relógio que marca a hora certa?

Descarregue tudo. Coloque para fora. Chore oceanos e inunde o corredor. Dói, mas os quartos serão lavados. Tudo de ruim que houver transbordará para fora das janelas. Não com lágrimas, mas com palavras. Choradas sobre o corredor. Mais calmo agora? Continue. Ou não? Talvez seja o suficiente por hoje. E se não pudermos mesmo sair da casa, ela estará aqui amanhã. E depois, e depois.

E com ou sem sol, chegaremos até o pátio, onde a grama está bem cortada e as flores brincam junto com as crianças, felizes. E então, finalmente, encontraremos nossa paz.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Envelhecer

É o maior órgão do corpo se decompondo,
Olhos cansados,
Audição falha,
As historias e estórias,
Amores e desamores,
Os filhos,
Os netos,
A vida!
E ela; com o dedo indicador curvo que toca a alma.

Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim, como diria Pessoa!
É algo que a pagina não comporta,
      uma amostra do finito.

Ócio

Transcendo quando os fecho
Abro-os
Tô preso
Palavras não ditas
Vide-as!
Sem fronteiras
Preso no olho
no pensamento
caneta
papel
tinta.


(Rafael Muniz Espíndola)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

É difícil seguir seus instintos quando seu coração exige que faça o contrário.
Assim como é difícil concretizar na sua realidade aquilo que insiste em prender-se no seu subconsciente
                                                                                                                  eu sei disso
                                                                                                                  porquê vivi isso.
Procurar forças naquilo que está inerte é o mesmo que comandar seu corpo há caminhar sob a brasa
                                                                                                                  quando seus pés
                                                                                                                  são feitos de gelo
Mergulhe naquilo que não existe e desvende meus enigmas, ajudando há minha e há sua sanidade.

Antes que meu último suspiro nos prenda no instável mundo através da vida.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Diálogo da Página em Branco


A angústia
Das linhas
A preguiça
Dos poemas
A insônia
Dos escritos
A caneta
Das falas
A rebeldia
Das metáforas
A inércia
Das vezes
A frustração
Dos muitos
A ira
Dos poucos
A benção
Dos versos que não fiz
A luz.

(Daniel Rocha  & Ester Polli)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

De não ir mais pra praia


                               Ele sempre acreditou que fantasmas tinham que ser em preto e branco.
E eram, menos um.
Fantasmas só perdem o colorido depois dos vinte e um.

(Guilherme Chagas)

O Homem Revoltado

           Como de costume ele chegara antes dela. Walesca, envolvida em reuniões do partido, não tinha hora. Às vezes nem dormia em casa. Trabalhos diferentes. Viam-se raramente, mas sempre ligava quando surgia alguma novidade. Não podia se queixar, desde que ela se envolvera com a política, as coisas melhoraram.  Foi ao banheiro, jogou duas mãos de água no rosto e viu no espelho escrito com batom: não se zangue comigo, foi só o cansaço das paixões perfeitas. Emputeceu. Deve ter fugido com um daqueles escritorezinhos de merda. Porra! Tínhamos um acordo. Aceitava que a metade das pessoas que ela conhecia queria comê-la, a outra metade já tinha comido. Tudo bem, aquela bunda realmente era irresistível e o mundo era uma grande cama redonda.  Entendia essas coisas. Ele mesmo era fascinado pela gostosa do 401. Muitas vezes empurrava a cadeira de rodas da vizinha só pra olhar aqueles peitões que ela fazia questão de deixar a mostra no decote. Mas abandoná-lo não era certo. E os negócios? Com certeza isso não ficaria assim. Sentiu-se traído. Correu para a sala, apanhou o celular e ligou. Caixa de mensagens. Resolveu sair.
            O coletivo andava na Osvaldo Aranha e lá fora os pingos da chuva riscavam a paisagem.  Dentro do ônibus só ele e o cobrador, que agora bocejava, deixando à mostra a ponte fixa dos dentes. Sua cabeça doía, as têmporas saltitavam, a camisa empapada de suor grudava-se mais à pele. Lembrou-se dela. Levantou, esfregou as mãos e puxou a campainha. Desceu rapidamente, esgueirando-se aqui e ali da chuva. Só mais duas quadras. Relutou um pouco ainda, mas não havia jeito, precisava ter certeza. E foi. Chegou em frente ao prédio. Era ali mesmo, apartamento 801. Tocou o interfone, ninguém atendeu. Tocou de novo e nada. Resolveu então chamar o porteiro. Este veio, arrumando as calças azuis do uniforme surrado e abriu-lhe a porta. Caminhou lentamente pelo corredor escuro.
A porta estava entreaberta. Entrou. Lá no fundo, uma luz opaca e alguns espirais de fumaça dançavam para lá e para cá. Sentou-se.  Os móveis ao redor eram familiares. Acendeu um cigarro. Ouviu a descarga do banheiro. Ela aproximou-se, tomou o cigarro da mão dele e deu uma bela tragada. Lúria era o travesti mais gostoso da cidade. Fora convidada várias vezes para fazer filmes-pornô, mas nunca aceitou. Muito discreta. Desde a primeira foda dos três, criou-se um grande vínculo de amizade. Ela foi até a estante, passou a mão na lombada dos livros e por fim tomou um de capa vermelha. Tome, disse ela, é disso que você precisa. Você não devia ter feito aquilo, sabia? No mundo, meu amor, há crimes de paixão e crimes de lógica. Mas era minha mulher!!! Rebateu ele. Pra mim era mais que isso, afirmou o traveco. O telefone tocou. Lúria atendeu sob o olhar perplexo de Gabriel. Bem, tenho que sair, a parte combinada do dinheiro está aí dentro do livro, agora sai fora. E a porta se fechou...

(Carlos Rosa)

D. Lalá

Laura já não era mais nem sombra do que fora no passado. Quem a visse agora enrugada, flácida, chupada, com a cara bexiguenta, nunca imaginaria que dona Lalá, como era carinhosamente chamada, foi a puta mais desejada de Porto Alegre. Ali, sentada no fundo do cabaré Sedução, silenciosa, com um cigarro entre os dedos, estava guardada boa parte dos segredos da cidade. Se a polícia interrogasse a velha puta, muitos crimes teriam sido resolvidos. Mas a profissão não dava credibilidade, dizia ela. Permanecia assim o dia todo. Levantava-se apenas por necessidade. Curvada, arrastava com dificuldade os chinelos pelo salão e ia ao banheiro limpar a bolsa de colostomia.
Morava em uma peça no fundo do puteiro. Vaidosa, acordava cedo, tomava banho, escovava bem a dentadura, penteava os cabelos e se maquiava. Vinha para o salão. Gabava-se de ter trepado com três gerações de homens. Boatos diziam que um chefe de Estado havia lhe proposto casamento. Mas ninguém sabia ao certo. Para as novatas o que mais atraía eram as histórias que ela contava em dias de pouco movimento.   
Naquele dia, Lalá estava diferente. No lugar daquela aparente serenidade, agora havia uma agitação, falava sozinha, murmurava palavrões, gesticulava.

(Carlos Rosa)